Rediviver

Os Desafios da Vida

Dizer que a vida é um desafio, retrata somente parte de uma verdade. Mas, pensemos um pouco nisso.

Quando a gente começa na vida, somos uma semente de gente que atravessa uma das trompas do útero de nossa mãe, empurrada aos trancos e barrancos. Em seguida, alcançando a cavidade uterina, estamos diante da necessidade de nos plantarmos, para poder germinar. O nosso primeiro momento se constitui num desafio, o de passar a existir.

Durante nove meses, ficamos envolvidos na construção de nosso corpo, passado este tempo, estamos nós diante de um convite a um duelo, e que duelo: o ato de nascer.


Leboyer (1), um obstetra francês, iluminado observador de partos e nascimentos, nos esclarece acerca desse momento da vida humana. Ele descreve as agruras porque passa um bebê em seu nascimento. Fala do espaço apertado dentro da barriga da mãe e das fortes reações musculares que o bebê produz para se adaptar e/ou se projetar para fora. Relata as fortes alterações fisiológico-emocionais (2) que se desenrolam no bebê quando ele se vê a ponto de sair. Leboyer traduz também os pedidos existenciais marcados nas expressões faciais e sonoras da criança recém-nascida, quando ela desponta para o mundo (medo expressando "ponham-me num forte abraço", fúria querendo dizer "sejam mais suaves").


Crescemos. E dentre as múltiplas facetas desse crescimento há aquela que implica o desempenho de "papéis" nesse mundo. Analisando apenas um aspecto deste desempenho, podemos pensar no que representa para nós ser menino ou menina, mulher ou homem. As diferentes experiências com o nosso gênero, incita-nos a estabelecer um diálogo intenso entre nossas imperiosas forças instintivas e as insinuantes demandas psico-sociais. Menino chora ou não chora? Menina joga futebol? As mocinhas circulam pela noite com a mesma informalidade que os rapazes? Se quisermos ir mais adiante, podemos nos inspirar no compositor Gilberto Gil, através da sua canção Super-Homem, e desvendarmos caminhos ainda mais intrigantes dessa nossa aventura. Propondo-nos relativizar a rigidez dos papéis masculinos/femininos, ele revela : "Um dia eu tive a ilusão de que ser homem bastaria, que o mundo masculino tudo me daria, o que eu quisesse ter. Que nada, minha porção mulher que até então se resguardara, é a melhor porção que trago em mim agora,/ é o que me faz viver. (...)

Em algum momento da nossa vida adulta, precisamos fazer uma escolha profissional. Se o caminho for o vestibular, com a intenção de alcançar uma importante graduação profissional, haja orientação para não se perder nas múltiplas escolhas do mercado de ofertas das tantas e variadas profissões e faculdades particulares! Se a direção é a entrada no mercado de trabalho, haja esperança ativa para conseguir um emprego ou criar um, autonomamente. Se o importante é buscar um caminho profissional baseado na pura paixão pelo ofício, é necessário estar preparado para uma árdua caminhada com relação à instabilidade sócio-econômica.

E o enamorar-se? - esse brinquedo sério dessa viagem pela vida que estamos todos fazendo -. E o relacionar-se a dois, num namoro, no casamento...? E a atualmente difícil decisão a ser tomada de que basta somente ficar com alguém? Esses são acontecimentos que implicam em estarmos excitados ou amortecidos, em aprendermos a dar e a receber, em experimentarmos a fusão amorosa com o outro para em seguida buscar necessariamente nos discriminar, nos diferenciar. Quando reconhecemos alguém como o ser amado, tudo é possível. Podemos desistir e saborear apenas o gosto dessa visão; podemos nos expor, arriscar "molhar-se" e aquecer-se num olhar apaixonado, num beijo de amor. Mas, também é possível mergulhar, à `flor da pele` e sem medo de se esfolar, e permitir-se saborear o néctar de um "encontro de corpos", de um contra-corpos numa insustentável leveza de ser (3).

Por fim, há os pedaços propriamente difíceis dessa vida, e um deles, sem dúvida, é o "passaporte da doença". Esse termo foi criado pela escritora Susan Sontag (4) para nos passar a idéia de que o adoecer é como uma espécie de cidadania obrigatória à qual todos nós somos levados a exercer, seja aqui ou acolá, agora ou mais tarde, vivida mais sutil ou fortemente. Essa condição humana, a do adoecimento, revela uma fragilidade de nossa espécie. Estamos ainda no mundo às voltas com o desespero e a indiferença em relação à fome e à miséria, base da manutenção de doenças já completamente controláveis em quem come e habita decentemente. Vemo-nos existencialmente guerreiros e impotentes quando, mesmo já podendo fazer uso de altas tecnologias, não conseguimos entender um ciclo epidêmico de uma simples gripe ou impedir o crescimento de tumores malignos. Diante do adoecimento humano, sentimo-nos afrontados, inquietos, em tentação.

Antiga sabedoria nos revela que os desafios significam oportunidades de se viver experiências transformadoras. É pena que às vezes passamos por eles tão "rapidinho", e de tal forma que continuamos a ser os mesmos de antes. Ainda bem que algumas vezes atravessamos os desafios e aproveitamos essa experiência para nos fazer mais vivos. E felizmente há vezes que saímos mais humanos, redivivos.



(1) LEBOYER, Frédérick - "Nascer Sorrindo". Editora Brasiliense, São Paulo, 1974.
(2) Aumento do batimento cardíaco, por exemplo.
(3) Inspirada visão do escritor Milan Kundera.
(4) SONTAG, S - "A Doença como Metáfora". Edições Graal, Rio de Janeiro, 1984.





Nenhum comentário: